“Mirian, uma relação à distância, só pelo computador, sem contato físico, abraço, beijo, penetração, pode ser considerada uma verdadeira traição?”
Recentemente, recebi o e-mail de uma leitora preocupada em saber se “ter um amante virtual é uma traição de verdade”.
Casada há vinte anos, ela afirmou que nunca traiu o marido. Mas encontrou no mundo virtual um homem que consegue lhe dar tudo o que falta no seu casamento: escuta, atenção, conversa, intimidade e romance.
A principal motivação para procurar alguém foi “o desejo de me sentir desejada”.
“Minha autoestima está uma merda. Com o meu marido me sinto a pior versão de mim mesma: velha, gorda e feia. Até que encontrei no mundo virtual um homem que me deu tudo o que eu mais precisava: me sentir uma mulher única, especial, diferente. Quando estou conectada com ele, sou a minha melhor versão.”
Por mais paradoxal que possa parecer, no mundo virtual ela se sente mais livre para “ser eu mesma”, sem medo de ser criticada e censurada, sem sentir culpa e vergonha. Pode ser uma mulher mais poderosa, e não uma mulher invisível: a mãe e esposa que tem a obrigação de cuidar de todo mundo, mas não tem tempo para cuidar de si mesma.
Apesar da distância física, ela sente profunda conexão emocional com o amante virtual.
“Conversamos de madrugada, quando meu marido está dormindo. Tenho mais intimidade com ele, que mora em Londres, do que com o meu marido. Por algumas horas me sinto especial, recebo atenção e elogios, dou risadas, consigo escapar do pesadelo assustador que vivemos aqui no Brasil.”
Ela apontou as vantagens de ter um amante virtual: ficar com ele só quando está com vontade, desligar o computador quando está cansada, não correr o risco de contrair doenças, não ter DR (discutir a relação) por bobagens, não “trair de verdade” o marido.
“É tudo muito romântico, sensível, profundo, sem pressa e ansiedade, como não existe mais no mundo real. Ele me pediu em casamento e quer que eu vá morar com ele. Mas prefiro continuar assim, mesmo sabendo que pode ser só uma fantasia, uma ilusão, uma válvula de escape para sobreviver em meio à tragédia monstruosa que está sufocando os brasileiros.”
Para saber se, para ela, “ter um amante virtual é uma traição de verdade”, perguntei: “Se você soubesse que seu marido está se relacionando virtualmente com alguém, exatamente como você está fazendo,
você se sentiria traída?”
A resposta foi categórica: “Sim, eu me sentiria traída, magoada, enganada, pois sempre acreditei que ele é 100% fiel, que sou a única mulher da vida dele. Seria o fim do meu casamento. A traição virtual ou real seria a prova concreta de que não sou tão especial assim. Sei que estou sendo contraditória, mas valorizo a fidelidade do meu marido e, mais ainda, a minha fidelidade, já que não estou traindo de verdade.”
É interessante observar a contradição: mesmo quando trai (ainda que à distância e sem ser “de verdade”), ela diz acreditar que a fidelidade é o valor mais importante do seu casamento.
Há mais de trinta anos pesquiso o significado da fidelidade na cultura brasileira. Na minha pesquisa sobre amor, sexo e traição, com 1.279 moradores do Rio de Janeiro, 60% dos homens e 47% das mulheres afirmaram que já foram infiéis. É importante lembrar que a falta de sexo não está entre as principais causas da infidelidade, como mostrei no livro “Por que homens e mulheres traem?”.
Não sei quantas vezes escutei homens e mulheres afirmarem que traição e deslealdade são coisas diferentes, que depende do pacto existente entre o casal, que a verdadeira traição é trair os próprios desejos.
Você acha que ter um amante virtual é “trair de verdade”?