Especialistas em segurança pública elogiam a decisão da ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), de suspender trechos de quatro decretos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre armas e munições, mas afirmam que o projeto armamentista do governo segue em curso.
Até agora, a gestão Bolsonaro editou 31 atos normativos, entre decretos e portarias, e apresentou 2 projetos de lei para flexibilizar o acesso a armas e munições no país, além de reduzir o poder de órgãos de fiscalização.
Na segunda-feira (12), Rosa Weber tornou sem eficácia 13 pontos dos decretos publicados por Bolsonaro na véspera do Carnaval deste ano.
Esses trechos, segundo Ivan Marques, advogado, analista em segurança pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aumentariam o número de armas e munições nas mãos da população.
“[A ministra] Teve coragem e lucidez ao aplicar o direito sobre um tema que tentam polemizar, mas, na verdade, a ciência tem respostas muito claras sobre como mais armas afetam um país violento como o Brasil. Com a decisão, ainda que provisória, ela impediu que milhares de armas entrassem em circulação.”
A decisão de Rosa Weber precisa ser analisada pelo plenário virtual do STF, que vai de 16 a 24 de abril. Nesse período, os ministros devem inserir os votos no sistema e anunciar se referendam ou revogam a liminar.
Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, a decisão atinge pontos centrais dos decretos. No entanto, para ela, a medida não é capaz de barrar os planos de Bolsonaro.
“A ministra tomou uma decisão muito sábia, de não permitir que o grosso dos decretos entrasse em vigor. Foi uma decisão importante, mas não é suficiente.”
De acordo com os especialistas, regras sensíveis passaram a valer nesta terça-feira (13), data que marca a entrada em vigor dos decretos.
Pelas normas não atingidas pela decisão de Rosa Weber, há a possibilidade, por exemplo, de uso de arma pessoal em serviço público para categorias como policiais.
Com a decisão, ainda que provisória, ela [Rosa Weber] impediu que milhares de armas entrassem em circulação
Os CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) terão de ser avisados com até 24 horas de antecedência de fiscalização de seu material por órgãos de controle.
Os decretos também permitem importar e comercializar carregadores de pistola com capacidade de 20 munições. O equipamento aumenta o poder de disparo por minuto de uma arma.
Todas essas medidas, antes dos quatro decretos de Bolsonaro, eram proibidas no Brasil. Além disso, as novas normas criaram trâmites que dificultam a destruição de armas apreendidas.
Decretos e portarias publicados desde 2019 já vinham flexibilizando regras, o que possibilitou que mais cidadãos tivessem acesso à posse e ao porte de armas.
Hoje também é possível comprar armas mais potentes, além de poder se adquirir mais munições. Antes das mudanças, um cidadão podia comprar 50 munições em um ano. Agora, a depender da categoria, pode adquirir até 5.000.
Segundo Melina Risso, diretora de Programas do Instituto Igarapé, antes do governo Bolsonaro já havia a necessidade de se aprimorar mecanismos de controle. Para ela, o presidente caminhou na direção oposta.
“Bolsonaro, desde os primeiros atos, começou a desmontar a política de armas. As consequências desse descontrole a gente vai ver daqui algum tempo, porque quando elimina mecanismos de fiscalização facilita o desvio de arma de fogo.”
A decisão de Rosa Weber impede a retirada de diversos itens da lista de produtos controlados pelo Exército —entre eles, projéteis de munição para armas que tenham o calibre máximo de 12,7 mm, assim como máquinas e prensas para recarga de munições, carregadores e miras telescópicas.
A liminar proíbe também o Comando do Exército de autorizar a aquisição pelos CACs de munições em número superior aos limites preestabelecidos.
Pelas regras editadas por Bolsonaro, um cidadão poderia comprar até seis armas, o que foi vetado, mantendo o limite de quatro unidades. Além disso, a decisão impede que um cidadão porte duas armas simultaneamente.
Rosa Weber proibiu ainda que a prática de tiros desportiva possa ser realizada a partir dos 14 anos.
Além disso, a ministra suspendeu que CACs pudessem realizar a comprovação da aptidão psicológica para aquisição de arma de fogo mediante laudo fornecido por psicólogo com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia, dispensado o credenciamento na Polícia Federal.
A decisão não é a primeira sobre a política armamentista. O ministro do STF Edson Fachin já havia suspendido em dezembro a decisão do governo Bolsonaro de zerar a alíquota para importação de revólveres e pistolas.
Há também no STF outras ações para suspender efeitos de outros decretos e portarias publicados. No Senado, há ainda projetos de decretos legislativos que visam suspender as regras mais flexíveis.
O QUE FOI SUSPENSO
Decreto Nº 10.628
- Aumento do número de armas de uso permitido de quatro para seis unidades por pessoa.
Decreto Nº 10.630
- Porte simultâneo de até duas armas de fogo por cidadãos;
- Validade do porte de armas passa a valer em todo o território nacional.
Decreto Nº 10.629
- Comprovação pelos CACs da aptidão psicológica para aquisição de arma de fogo, mediante laudo fornecido por psicólogo com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia, dispensado o credenciamento na Polícia Federal;
- O laudo de capacidade técnica poderá ser substituído por uma declaração de habitualidade emitida por clube de tiros;
- Aumento do limite máximo de munições que podem ser adquiridas, anualmente, pelos CACs;
- Prática de tiro desportivo por adolescentes a partir dos 14 anos.
Decreto Nº 10.627
- Afastamento do controle exercido pelo Comando do Exército sobre projéteis de munição para armas de porte ou portáteis, até o calibre máximo de 12,7 mm, das máquinas e prensas para recarga de munições, das miras optrônicas, holográficas ou reflexivas e das miras telescópicas.